domingo, 4 de janeiro de 2015

Carta aos meus filhos #68

A mamã viu-vos.
A mamã viu uma coisa preciosa.

Num país de língua germânica, num parque no centro da cidade, os pés do vosso pai de calcanhares assentes nas meias. A mamã odeia pés, mas ama os pés do vosso pai. Verga-se aos pés do vosso pai, cuida deles como se, a partir daí, lhe cuidasse do âmago da alma. Ele sorri, tem rugas, uma mecha de cabelo crespo sobre a testa alta, grisalha. A mamã goza com essa mecha dele. Com essa mecha e com os pêlos prateados que lhe brotam do bigode. E a mamã sorri, e ele ri-se. A mamã não consegue fingir que há algo nele de que não gosta, e ele sabe. Está sentado de calças de ganga, com os pés pálidos sobre as meias cinzentas, e sabe.

E vocês... um mar de cabelo negro, encaracolado, difícil de domar, de braços abertos e pés descalços em corrida sobre a erva húmida. Os vossos pezinhos... (o coração da mamã enternecido por causa dos vossos pezinhos). E um quadrado tão perfeito de afecto que a mamã, da sua aresta, limita-se a cruzar os braços e a observar, feliz.

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