Três Histórias de Amor, Parte II
Uma
delas acabou, ponto final. O respeito não é algo que se recupere após um
enxovalhamento público.
A
outra acaba de sofrer a imposição da distância. Os dois apaixonados reúnem a
tecnologia, o plafond dos cartões de crédito e a vontade de se reencontrarem
para prometer que se voltarão a ver. Que, num mundo tão vasto, os seus rostos
voltarão a estar frente a frente.
E a mãe? Sim, a terceira história de amor é a da
mãe.
Se calhar fui injusta.
De falta de tempo todos os homens parecem sofrer ultimamente. O que importa é
quando ele estava comigo por inteiro. E é disso que a mamã sente falta, hoje.
De uma pessoa que queira estar comigo tão insanamente que, quando nos virmos,
não tenhamos bem a certeza de quem foi ao encontro do outro e de quem o abraçou
primeiro. Era assim comigo e com ele. Ele via-me, ao longe, sorria-me. Depois
abria-me os braços e segurava-me contra o peito durante tanto tempo que eu
julgava que acabaria por sufocar. Quando me afastava, estava a sorrir. Caminhávamos
lado a lado, com ele a abrir-me o caminho, a esticar-me a mão quando eu ficava
muito para trás. Aquelas mãos perfeitas cujos gestos aprendi a conhecer.
E os olhos? Não há
palavas para descrever a doçura nos olhos dele quando me via. Ou a forma como
me provocava para descobrir se o meu mundo fora igualmente arrancado dos eixos
e se eu estava estúpida de felicidade por o ver. Por estar ali com ele; ali, num
sítio qualquer, mas com ele. A dançar, com ele. A caminhar na rua, com ele. A
entrar em dez lojas de sapatos, está bem, odeio, mas com ele. A apanhar um comboio com ele, a adormecermos de mãos
dadas e cabeças apoiadas um no outro. A dividir uma cookie com ele e a fingir que não quero mais para vê-lo deleitar-se
ao comer. A dividir tudo, na realidade. A acordarmos lado a lado, em
simultâneo, e a sorrirmos com cara de zombies um ao outro. É uma pessoa tão
completa, meus queridos. Tem um coração tão grande, tão mole, por vezes… As
horas que esse homem perdeu a secar-me as lágrimas, e nunca o afugentei, nunca
se enojou, nunca me negou uma palavra de carinho e compreensão nem se deixou
intimidar pela imensidão do meu desespero.
A mãe sonhou com ele
esta noite. Sonhou que estava longe, em trabalho, como está, mas que, em
pequenos sinais – uma fotografia aqui, uma citação ali – me dava a entender que
pensa em mim e que ainda se preocupa comigo. Sonhei que ele me havia pintado a
sala e que eu era uma mal agradecida. Tudo se resume a isso, ele não me pintou
a sala, nunca chegou a conhecer-me a sala. Porquê? Porque a mãe é uma besta e o
expulsou da sua vida antes que ele pudesse vir e dar-me palpites acerca de
tudo. Porque ele se interessava por tudo o que tivesse a ver com a mamã. Iria
perscrutar as pilhas dos meus livros e entender quantos deles já lera. Iria dar
conselhos sobre a cor das paredes e a incidência do sol nos cómodos. Iria
dizer-me onde encomendar lâmpadas LED. Iria dizer, com toda a naturalidade,
“quando eu for aí levo-te x”. Porque ele queria vir. Ele queria tanto vir…
O coração da mamã
apertou-se. Saiu-me a lotaria e eu deitei fora o bilhete. É o que sinto.
Porque é que dói tanto?
Pergunta a segunda voz.
Porque, num mundo de pessoas desencontradas em
que nem sempre (os amigos, a família, os amores) nos querem tanto quanto os
queremos a eles, é um milagre encontrar uma pessoa cujos braços se abrem assim
para nós. E dói libertarmo-nos desses braços, privarmo-nos deles.
Principalmente porque sabemos que a outra pessoa também sofre por não nos ter
lá.
Mas a mamã, é uma
promessa que se faz, não voltará jamais a sofrer por alguém que não abra os
braços quando a vê.
Across my heart, and hope to die.
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ResponderEliminar"We waste time looking for the perfect lover, instead of creating the perfect love.", Tom Robbins | Ass:Carlos Miranda
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