A mãe está feliz. A mãe gosta de ter
um plano, de ir a lojas de ferragens, a lojas de alguidares, a lojas de tinta.
A mãe gosta de trazer catálogos de cores para casa e de percorrer lojas de
tecidos e de sentir a textura de cada um deles nas pontas dos dedos. Amanhã a
mãe vai comprar um bloco de desenho e lápis de cor, para fazer experiências de
cores, ver os contrastes, decidir o que quer para si. A mãe não consegue passar
um dia sem comprar uma vassoura (uma varinha mágica), um armário de casa de
banho.
A mãe soube hoje que mais duas
pessoas vão morar juntas, vão sair de casa. Somos novos, diria eu. Mas está na
hora.
A mãe percorreu as ruas de Almada.
Querem saber como era a Capitão Leitão em dois mil e catorze? Há uma loja de
bombons, frutos secos avulso, rebuçados e outros produtos enfrascados, com um
cheiro muito característico, com um balcão onde está uma senhora amorosa. Uma
senhora tão doce que só poderia estar a vender bombons. Há uma loja de sapatos
que faliu e cuja montra está coberta de poeira. Há uma loja de self-service
que, noite afora, vende garrafas de água, chocolates e preservativos. Há uma
antiga drogaria poeirenta com vernizes na montra, soda cáustica e tintas para
cabelo. Há uma loja daquelas que tresandam a velas de alfazema, com iemanjás e
budas na montra, leitura de auras e tarot
anunciados na porta. Há uma papelaria outrora muito frequentada, agora outro
recanto caído desta rua envelhecida. Há a velha loja de livros em segunda mão
onde ia comprar os livros da Harlequin
que partilhava com a minha avó, no tempo em que ela ainda lia; o senhor morreu
e a loja está vazia e de grades enferrujadas. Há o cão amarelo de um senhor que
está sempre a cuidar da horta, um nível acima da estrada, debruçado para a rua
e de cauda a sacudir. Há a antiga oculista, onde fui uma vez comprar um
parafuso para uns óculos, e tive desconto porque reconheci, no pescoço
envelhecido da lojista, o aroma do Coco
Mademoiselle que também eu uso. Há uma loja de móveis em segunda mão que
ajuda toxicodependentes, e onde a mãe entrou à procura de alguma antiguidade
que valesse a pena mas, tendo sido recebida por um sorriso de boca desdentada,
voltou a sair de imediato. Há uma loja de electrodomésticos em segunda mão. Uma
loja de electrónica em segunda mão. Uma churrascaria e uma igreja recentemente
renovada.
A mãe percorreu a rua inteira, de
sorriso no rosto, satisfeita por viver na cidade onde vive. Há uma pequena preocupação, um pequenino sussurro que tenta insinuar-se sem grande resultado... Será que sou merecedora de uma coisa maior? De uma coisa bonita? De alguém que apanhe aviões por mim? Para ver-me? Para registar uma das minhas observações menos inspiradas? De alguém que me ligue e nunca se esqueça de me perguntar se estou bem? De alguém que me entenda nos altos e nos baixos e goste de mim em todas essas circunstâncias? De alguém que repare na minha dupla barriga, que se ria disso e me faça rir também sem me pôr a chorar? Sem me diminuir? Sem me desprezar? Serei merecedora de um homem que venha e que fique... Pela vida toda? Serei um bom investimento?
A mãe não tem um nome para atribuir ao que sente, mas a mãe sente-se apaixonada. Dançam-me borboletas no estômago, sorrisos involuntários nos lábios, uma certa paz interior de quem está onde deveria estar. A mãe está apaixonada e só pode ser pela vida…
A mãe não tem um nome para atribuir ao que sente, mas a mãe sente-se apaixonada. Dançam-me borboletas no estômago, sorrisos involuntários nos lábios, uma certa paz interior de quem está onde deveria estar. A mãe está apaixonada e só pode ser pela vida…
Sem comentários:
Enviar um comentário