domingo, 4 de maio de 2014

Carta aos meus filhos #29

A mãe está feliz. Confessa que a felicidade não é natural a cem por cento, mas, uma vez mais, fez o necessário para obtê-la.
A santíssima trindade portadora de alegria está reunida: a mamã já tem o gato, o gira-discos e os livros. Faltavam as paredes. Graças a uma série de ajudas, a mãe está a um passo de ter os chãos e os tectos. 
Sinto-me muito grande e muito forte. Tenho alguma dificuldade em entender a fluência da vida; os fossos intercalados com os cumes. Ainda há tão pouco tempo chorava um gato perdido, uma vida sem grandes perspectivas, uma solidão imposta, e agora saboreio o outro lado da moeda. Um outro animal para amar, a vida no lugar onde é suposto estar, a solidão orgulhosa e opcional de quem se rende às circunstâncias e não ao desespero.
A mãe tem um gira-discos. Talvez vocês conheçam a nossa parceria domingueira, enquanto engomo roupa. Talvez vos tenha gritado algumas vezes que tenham cuidado com a agulha, e mais ainda com os vinis. Nat King Cole, Scorpions, Queen e o “Red Red Wine” dos UB40. A mãe sabe que o projecto que abraçou vai limitar o número de viagens que poderá fazer, bem como reduzir um bocadinho a sua qualidade de vida de solteirona sem contas para pagar. Acabaram-se os shopping sprees nos saldos, acabaram-se os snacks caros para a gata, acabaram-se as loucuras de feira do livro. Agora terei de aprender a fazer cálculos.
Parece um sonho… um sonho bom. Um espaço. A minha música. As minhas cores. A minha existência expandida, impressa, duplicada, solidificada em algo de meu.
Estou um passo mais perto de vos receber. Estou onde deveria estar. Muito tranquila à espera do vosso pai. Ele será tão, tão especial… A mãe promete que só deixará o melhor pai do mundo entrar neste nosso ninho de paz.

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