domingo, 22 de dezembro de 2013

Carta aos meus filhos #22


A mãe mal se reconhece. Parece que a vida atingiu níveis de complexidade tão inalcançáveis que tudo o que me apetece é estar estendida na cama. Às vezes caem-me algumas lágrimas pelo lado do rosto que fica junto ao lençol. Em boa verdade, não sei se é da posição, das alergias ou dalguma tristeza inconfessada.
A mãe acredita nas coisas eternas e imutáveis, mas a mãe é um fogo mutável. Mudar faz parte de aprender, de crescer, de assimilarmos novas ideias e de analisamos a vida em perspectiva. Não podemos permanecer no mesmo estágio de desenvolvimento para sempre. Contudo, atingi um ponto em que mal me reconheço, como referi, no círculo onde me insiro. No cantinho do mundo onde me exercito e onde repouso, sinto-me pouco mais do que nada. E por muito que esteja satisfeita com aquilo que tenho conquistado, há sempre um vazio em falta. Uma espécie de bloqueio de horizontes que me impede de ver além do hoje. A mãe começa a cansar-se da incerteza que é o amanhã. Não se sente segura em momento algum e em parte alguma.
As pessoas que me rodeiam são tão ou mais complicadas que eu. Começamos a perder o rasto umas das outras. A mãe nem sabe o que quer. Nem sabe o que sente. Só sabe que lhe apetece permanecer numa imobilidade absoluta. Só sabe que o conforto vem dum achado inesperado que, além de me ilustrar mundos novos, me anima, me dá forças e me permite sonhar um bocadinho. Não demasiado alto, mas um planar seguro que não causa pernas partidas se desabar.
A mãe não lê um livro por inteiro desde 16 de Outubro. 16 de Outubro é o dia em que a mãe aterrou em Bari. Acabei de ler o livro no voo de chegada. Significa que, para quem sorvia pelo menos quatro a cinco livros por mês, tenho estado mais submergida na minha vida do que nas vidas de personagens. Não me tem interessado a vida de ninguém. Apenas a minha, e isto dura há uma longa reflexão.
A mãe sente-se só. É algo estranho, tendo em conta que solidão física não é sintoma. É mais uma espécie de um alheamento e incompreensão. Só com o tempo, e só eu mesma, conseguirei estabilizar esta dispersão.
2014 prometeu-me o Mundo. Um último olhar ao futuro anuncia uma reviravolta que pode significar uma Morte física ou uma mudança de 180º. Seja como for, a mãe continua com medo.
No fecho de 2013, posso dizer que foi o ano em que mais medo tive. Da repetição do passado, do impasse do presente e da falta de chão do futuro. Veremos o que construo nestes alicerces de areia.
A mãe sente-se exausta de procurar por coisas que, se calhar, nem existem.

Ó a fé, a fé é coisa de cegos. E por muito que a mãe se queira obrigar a abrir os olhos, continua com eles cerrados.

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