segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Carta aos meus filhos #8

No meu primeiro dia de trabalho em Hamburgo,

Descobri que coragem é mesmo coragem. Não é só assumir o pódio de uma atitude ousada. É mantê-la e velar pelas nossas escolhas.
Tendo acordado às 06:00, descobri que as coisas realmente demoram mais quando nos sentamos por dois minutos a tomar o pequeno-almoço, lavamos a loiça, limpamos as migalhas da mesa, apagamos as luzes de presença que acendemos à noite, escolhemos a roupa à pressa, pintamos o rosto e o desodorizante mancha a camisola. Em seguida os sapatos escolhidos não condizem com a chuvada lá fora. Entretanto o pijama ficou dobrado debaixo da almofada da cama feita. Só me atrasei em dez minutos, por isso experienciei o rush das sete e dez dos subúrbios para Hamburgo. Com entra-e-sai do metro (que está em obras e por isso demora uma hora a chegar ao centro com um troço do caminho sendo feito por um autocarro), todos apanhámos chuva. Todos cheirávamos, debaixo do Hugo Boss e do Amor Amor, a cachorro molhado, como dizem os brasileiros. Para não falar na minha rua que cheira a estrume. Verdadeiramente, por entre os arbustos de lilases e hortências, com a chuva todos os jardins cheiram a estrume.
Nas finanças fui atendida em dois minutos e descobri que não era ali que devia estar. No Consulado português sentei-me por uma hora a ver a RTP1 e a ouvir os transmontanos a falar no ouro que o Salazar amealhou e no subsídio que recebem da tropa – 18,00€/mês equivalentes a uma carga de trabalhos e toneladas de papelada. Não fui atendida porque, nessa hora em que lá estive, esteve sempre a mesma pessoa sentada perante a única pessoa que estava a atender. Senti-me em Portugal. 
Refugiei-me no Starbucks e dei por mim a perguntar-me se essa cadeia têm alguma coisa que a valha além dos copos bonitos que ficam bem nas fotos do instagram. Pior expresso que jamais bebi. E por 1,90€.
Depois Neuer Wall – onde trabalho, é o paraíso das primas donnas. Cartier, Bvlgari, Louis Vuitton, Gucci, Tiffany & Co, etc. E o pesadelo de quem trabalha com mercado brasileiro e sai às tantas do escritório por causa do fuso-horário. Na Praça do Parlamento já está tudo fechado quando saio, e nem saio assim tão tarde. Nem é possível comprar-se pão, já.

Acabo o dia a encaminhar-me, noutro metro a cheirar a cachorro molhado, para uma casa vazia e em silêncio onde não posso esquecer-me de acender as luzes do exterior – por causa dos passantes ou de possíveis assaltos? – e de fechar as cinquenta mil portas. Espera-me aquilo que tentei que fosse uma canja mas que, na realidade, é só sopa de arroz e cenoura. 
Amanhã, desconfio, será igual.

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